No Porto Secreto a nossa missão é seguir a atualidade, mas também assumir o papel de guia da cidade. Por isso, escrevemos sobre museus e restaurantes, assim como a nossa história. E, desta vez, queremos dar-te a conhecer melhor a inconfundível calçada portuguesa.
Afinal, trata-se de algo muito típico do nosso País, na mesma linha que o nostálgico Fado. Só para teres uma ideia, os primeiros pavimentos calcetados em Portugal e no mundo surgiram em pleno séc. XV. Mas, agora é tempo de sabermos mais sobre este tema.
Índice
Os primórdios da calçada portuguesa
Como os navios partiam sempre vazios para os seus destinos, no sentido de regressarem ao país carregados de bens e mercadorias, necessitavam de aumentar a sua carga para garantir a sua estabilidade de navegação, o que em gíria marítima se chama de lastro. Ora, a solução foi carregar estas embarcações com pedra portuguesa.
Uma vez nos países de destino, foram os jesuítas e os militares que tiveram a ideia de as aplicar nas vias por onde passavam. Este foi o primeiro passo daquilo a que, só no século XIX, se viria a chamar de calçada portuguesa, desta vez em solo português.
O revestimento de passeios, praças, pracetas e até a utilização destas pedras calcárias, claras e escuras, em obras de arte, colocadas de forma a criar desenhos, padrões, e muitas vezes de forma desordenada, são hoje uma das imagens de marca do nosso país.
Porto, século XVI
O Porto foi mandado calcetar no século XVI, aquando do reinado de D. Henrique, trazendo assim estas verdadeiras obras de arte a céu aberto, para a cidade.
Ao longo dos séculos algumas ruas e praças foram sendo decoradas, com ilustrações do quotidiano da altura, ou com elementos gráficos usuais neste tipo de calçada. Exemplo disso era a atual praça da Liberdade, junto à estatua de D Pedro IV. Aqui era visível a ‘tradicional’ ondulação em calçada portuguesa que remetem para o movimento de um rio ou do mar. Contudo, hoje esta calçada já não existe.
Aquando da (debatida) remodelação da avenida dos Aliados em 2006, a calçada que decorava os passeios com os seus magníficos desenhos, foi recolocada na rua Sampaio Bruno. Hoje esta calçada que conta a historia do vinho do Porto e atividades agrícolas de outros tempos, faz as ‘delicias’ de por quem lá passa, ao serem bem visíveis motivos como carros de bois ou barcos rabelos:
São ainda bastantes as ruas emblemáticas do Porto que possuem esta calçada tão nossa. A rua de Santa Catarina, rua de Cedofeita, envolvente da Igreja do Carmo e da Trindade, entre vários outros locais.
Nos últimos anos a Câmara do Porto tem vindo a requalificar algumas ruas e travessas com este tipo de calçada. Estas requalificações em muito têm agradado comerciantes e residentes. Uma das principais razões incide no facto da calçada refletir a luz do sol, trazendo assim mais iluminação natural às ruas, tornando-as mais agradáveis para passear. Exemplos recentes disso são a Travessa de Cedofeita, merecidamente requalificada em 2018, a Rua Fernandes Tomás que se encontra mais alegre, e mais recentemente, a envolvente exterior do Palácio de Cristal, em 2019.
Sabias que os ‘socos’ ou ‘tamancos’ eram um calçado muito típico e adaptado para caminhar nesta calçada, no Porto? O jornalista Germano Silva recorda que nos anos 30/40 ainda era comum ouvir-se os operários a caminhar de madrugada para os seus postos de trabalho e a emitirem um som bastante característico da madeira a raspar na calçada portuguesa. Estes socos podem hoje ser encontrados em sapatarias tradicionais no centro da cidade, ou em lojas mais direcionadas a turistas.
No Arquivo Municipal do Porto é possível consultar mais sobre a historia desta calçada, assim que este reabrir.
Os calceteiros, uma profissão em risco de desaparecer
Os calceteiros, que de picareta na mão colocam pedra sobre pedra até formarem os desenhos que hoje admiramos, são os verdadeiros mestres de uma arte que é uma das referências da nossa portugalidade.
E esta é uma profissão em risco de desaparecer. São muito poucos aqueles que ainda se dedicam a este tipo de trabalhos de forma exclusiva, que fazem assentar na terra cada uma das pedras que no final darão lugar a algo quase sempre majestoso.
Em tempos foi uma profissão com muita reputação, chegando a empregar mais de 400 calceteiros. Foi até criada uma escola na cidade de Lisboa para formação nesta área.
Hoje, a maior homenagem a esta “espécie de artesanato” pode ser vista na Praça dos Restauradores desde 2017, em Lisboa.